domingo, 20 de abril de 2008
Nostos
PÃO
Pão,
substância da vida,ganha teu pão,
oh ! dize-me,
onde há pão da fantasia ?
No Rourke o padeiro,
é o que se diz.
IMPOSTURA
Os sons são imposturas.
Como os nomes :
Cícero, Podmore,
Napoleão, senhor Goodbody,
Jesus, senhor Doyle.
Shakespeares eram tão comuns quanto Murphies.
Que é que há num nome ?
E qual é acaso o seu nome ?
PÍLULAS
Vi um chinês uma vez
que tinha umas pilulinhas
como mástique e que botava elas na água
e elas abriam,
e cada pílula era uma coisa diferente.
Uma era um navio,
outra era uma casa,
outra era uma flor.
Ratos cozidos na sopa
os chineses fazem.
COMÉRCIO
Neste país
as gentes vendem muito mais
do que ela jamais o fez
e fazem excelentes negócios.
Não temas o que vende o corpo
mas não tem poder para comprar a alma.
Ela é má mercadoria.
Compra caro e vende barato.
O QUÊ ?
Em manuscrito destrinclinado ,
vertical e sinistroverso:
hotel da Rainha,
hotel da Rainha,
hotel da Ra..
INSTRUÇÃO DIRETA
Ela seguia não tudo,
uma parte do todo,
dava atenção com interesse,
compreendia com surpresa,
com cuidado repetia,
com maior dificuldade se lembrava,
esquecia com facilidade,
com dúvidas recordava,
re-repetia com erro.
EXEMPLO
Ele desgostava de guarda-chuva em chuva,
gostava de mulher com guarda chuva,
desgostava de chapéu novo em chuva,
gastava de mulher com chapéu novo,
ele comprou chapéu novo em chuva,
ela levou guarda chuva com chapéu novo.
VAI
Vai, vai
vai teu caminho,
vai em seguro,
vai com cuidado.
SILENTES
Silentes,
contemplando cada um o outro
em ambos os espelhos da carne
recíproca de suasdelenãodele
mesmas caras.
SOM
A dupla reverberação de pés retirantes
na terra celestinada,
a dupla vibração de um berimbau
na alameda ressoante
REVERSÃO
A necessidade da ordem,
um lugar para cada coisa
e cada coisa no seu lugar:
a deficiente apreciação da literatura por parte das mulheres:
a incongruidade de uma maçã
encunhada num caneco
e de um guarda-chuva fincado numa latrina:
a insegurança de esconder
qualquer documento secreto
atrás, debaixo ou entre
as páginas de um livro.
DESEJO
O tardio da hora,
tornada procastinatória:
a obscuridade da noite,
tornada invisível:
a incertitude dos caminhos,
tornados perigosos:
a necessidade do repouso,
obviando ao movimento:
a proximidade de um leito ocupado,
obviando à busca :
a antecipação do calor
(humano)
temperado com o frescor
(do linho),
obviando ao desejo e tornados desejáveis;
a estátua de Narciso,
som sem eco,
desejado desejo.
LEITO
Com circunspecção,
qual invariavelmente
quando entrava numa habitação
(sua própria ou não sua própria):
com solicitude,
sendo velhos
as molas superespirais e o colchão,
os elos de latão
e os pendentes raios de víbora folgados
e trêmulos sob pressão e tensão:
prudentemente,
qual entrando um covil
ou emboscada de luxúria ou cobra:
levemente,
o menos a perturbar:
reverentemente,
o leito da concepção e do nascimento,
da consumação do casamento
e da quebra do casamento,
do sono e da morte.
LEITO II
Nova roupa de cama limpa,
odores adicionais,
a presença de uma forma humana,
mulheril,
dela, a marca de uma forma humana,
macha,
não sua,
algumas rosquinhas,
algumas migas de carne enlatada,
recozida,
que ele removeu.
DELITOS
Como menos repreensível que o roubo,
assalto em estrada,
crueldade com crianças e animais,
obtenção de dinheiro sob falsos pretextos,
fornicação,
malversação,
prevaricação com dinheiro público,
abuso de confiança pública,
simulação de doença,
lesão deliberada,
corrupção de menores,
difamação criminosa,
chantagem,
contempto da justiça,
incendiarismo, traição, felonia
amotinamento em alto mar,
violação de domicílio,
arrombamento, evasão da prisão,
pratica de vício contra a natura,
deserção das forças armadas em ação,
prejúrio, caça e pesca ilícitas,
usura,
inteligência com os amigos do rei,
falsificação de pessoa,
assalto criminoso,
assassínio,
homicídio voluntário e premeditado.
REFLEXÕES
A preordenada fragilidade do hímem,
a pressuposta intangibilidade da coisa em si:
a incongruidade e desproporção entre
a autoprolongante tensão da coisa proposta
a ser feita e a autoaliviante relaxação da coisa feita:
a falazmente inferida debilidade da fêmea:
a muscularidade do macho:
as variações do códigos éticos:
a transição gramatical natural
envolvendo a não alteração do sentido
de uma proposição pretérita
aorista
(analisada como sujeito masculino,
verbo transitivo onomatopéico
monossilábico
com objeto direto feminino))
de uma voz ativa
em sua proposição pretérita
aorista
correlativa(analisada como sujeito feminino,
verbo auxiliar
e particípio passado onomatopéico
quasimonosilábico)
em voz passiva:
O produto continuado
de seminadores por geração:
a continua produção de sêmen por destilação:
a futilidade do triunfo
ou protesto ou vindicação:
a inanimidade da virtude exaltada:
a letargia da matéria nesciente:
a apatia das estrelas.
SATISFAÇÃO FINAL
Satisfação ante a ubiqüidade
nos hemisférios terrestres oriental e ocidental,
em todas as terras habitáveis
e ilhas exploradas ou inexploradas
( a terra do sol da meia-noite,
as ilhas dos bem-aventurados,
as ilhotas da Grécia,
a terra da promissão)
de hemisférios adiposos posteriores femininos,
redolentes de leite e mel
e de calor excretório sangüíneo e seminal,
reminiscentes de famílias seculares
de curvas de amplitude,
insusceptíveis de modos de impressão
ou contrariedades de expressão,
expressivos de muda
imutável madura animalidade.
SINAIS
Uma erecção aproximativa:
uma adversão solicita:
uma elevação gradual:
uma revelação tentativa:
uma contemplação silente
DEPOIS
Ele beijou os fornudos
ricudos
amareludos
cheirudos
melões de seu rabo,
em cada fornido melonoso hemisfério,
na sua riquega amarrelega rega,
com osbcura
prolongada
provocante
melonicheirosa osculação.
SINAIS II
Uma contemplação silente:
uma velação tentativa:
uma abaixação gradual:
uma aversão solícita:
uma erecção próxima.
HOJE
Hoje
quero dizer não não
sexta-feira é dia de má sorte
primeiro
eu quero arranjar a casa
um pouco de poeira se deposita
eu penso enquanto
eu durmo
a gente pode fazer música
fumar cigarrro
ou...a
sexta-feira, 11 de abril de 2008
Odisséia
PARTE II
NÃO
Não, não assim.
Uma terra sáfara, deserto nu.
Lago vulcânico, o mar morto:
nem peixes, nem plantas, mergulhando fundo na terra.
Vento nenhum levantaria aquelas ondas, metal cinza, águas brumosas envenenadas.
De enxofre chamavam-lhe a chuva caindo: as cidades da planície: Sodoma, Gomorra, Edom.
Nomes mortos todos.
Um mar morto numa terra morta, cinza e vermelha. Velha agora.
Nutrira a mais velha, a primeira raça. Uma bruxa curvada cruzou do Cassidy crispando pelo gargalo uma garrafa graduada.
A mais velha gente.
Erraram bem longe por sobre toda a terra, de cativeiro em cativeiro, multiplicando-se, morrendo, nascendo em toda parte.
E jaz lá agora.
Já não podia gerar.
Morta : de uma velha morta :
a cinzenta vulva afundada do mundo.
Desolação.
NINGUÉM
Antes de assentar-se espiou por uma fresta a janela do vizinho. O rei estava em seu tesouro.
Ninguém.
Refestelado no trono desdobrou o jornal
virando páginas sobre os joelhos nus.
Algo novo e fácil.
Não há grande pressa
TEMPO
Horas da tarde, garotas de gaze gris.
Horas da noite depois negras com adagas e meias máscaras.
Idéia poética rosa, depois dourada, depois cinzenta, depois negra.
Ademais veraz para com a vida também.
Dia, depois a noite
ENTERRO
A que horas é o enterro ?
Melhor procurar no jornal .
COM
Com ela uma vez no parque na safa.
Escuro de abafa.
Que marafa.
Tira da polícia.
O nome e o endereço
ela então deu
com o meu lero-lero lero-lero lero.
PALAVRA
Um tordo.
Um tredo.
Há uma palavra
tredo,
que exprime isso.
MORTE
Não mais sofrer.
Não mais despertar.
Ser de ninguém.
FUNERAIS
Funerais pelo mundo
em toda parte e todo minuto.
Enterrando-se às carradas aceleradíssimas.
Milhares por hora.
Gente demais neste mundo.
LÁZARO
Velhas bombas enferrujadas:
tudo o mais é uma história.
A ressurreição e a vida.
Uma vez que estás morto, estás morto.
Essa idéia do juízo final.
Pipocando todos em suas tumbas.
Levanta-te Lázaro.
E ele chegou em quinto
e perdeu o lugar.
Levanta!
Dia final.
CADÁVER
Um cadáver é carne deteriorada.
Bem e o que é queijo ?
Cadáver de leite.
FANTASMA
O fantasmas anda suavemente,
biscoitamente,
contra a vidraça poeirenta da janela.
RIMAS
Boca, touca.
É boca touca de algum modo ?
Ou a touca uma boca?
Deve haver algo.
Touca, oca, louca, pouca, sopa.
Rimas:
dois homens iguais nos trajes, parecendo o mesmo, dois a dois.
NILO
O Nilo,
Criança , homem , efígie.
Nas barracas nilóticas
as crianças se ajoelham,
berço de juncais:
um homem destro no combate:
petriocornudo, petribarbudo,
coração de pedra.
OBSERVAÇÃO
Nota o olhar que esta mulher lhe deu ao passar.
Cruel.
Sexo desleal.
PALAVRAS INÚTEIS
Bondes passavam uns após outros, indo, vindo,
retinindo.
Palavras inúteis.
As coisas continuam as mesmas;
dia após dia: pelotões de polícia marchando adiante, para trás; bondes indo, vindo.
DIZQUE
Uma cidadada trespassando, outra cidadada chegando, trespassando também: outra chegando, trespassando.
Casas , filas de casas, ruas, milhas de pavimentos, tijolos amontoados, pedras.
Mudando de mãos.
Este dono, aquele.
proprietário não morre nunca, dizque.
PIRÂMIDES
Pirâmides sobre a areia.
Construídos de pão e cebolas.
Escravos.
Muralhas da China.
Babilônia.
Pedras grandes deixadas.
Torres redondas.
O resto, entulho,
subúrbios encarrapachados,
assopapados,
casas cogumelos de Kervan,
construídas de vento.
Refúgio da noite.
NADA
Nem um é algo.
Essa é realmente a péssima hora do dia.
Vitalidade.
Baça lúgubre: odeio essa hora. Sinto como se tivesse sido engolido e vomitado.
SIM
A jovem lua de maio está brilhando, amor.
Ele ao lado dela.
Cotovelo, braço.
Ele.
O facho do vagalume está faiscando, amor.
Alisação. Dedos. Pergunta.
Resposta. Sim.
VOZES
Vozes altas.
Soda solaquecida.
Arreios distantes.
Tudo por uma mulher, lar e casas, tramas de seda, pratarias, frutas suculentas, especiarias de Jafa.
Agendath Netaim .
Riqueza do mundo
SANGUE
Sangue fresco quente se recomenda para a consumição.
Sangue é sempre necessário.
Insidioso.
Lambê-lo , esfunando quente, xaroposo.
Vampiros esfaimados.
AMOR
Vida juvenil, seus lábios me davam num abrocho. Macios, quentes, gomigelatinosos lábios grudentos.
Flores eram seus olhos, me toma, olhos quentes.
Seixos rolavam.
Ela jazia queda.
Uma cabra. Ninguém.
AMOR II
Selvagemente eu jazia sobre ela, beijava-a; olhos, seus lábios, seu pescoço reteso, pulsando, peitos de fêmea plena em sua blusa de véu de monja, mamilos cheios ponteando.
Quente eu a linguei.
Eu era beijado. Tudo rendendo ela emaranhava meus cabelos.
Beijada, ala beijava-me.
EU
Eu.
E eu agora.
Pegadas, as moscas zuniam.
BELEZA
Beleza: encurva-se, curvas são beleza.
Deusas feiçoadas, Vênus, Juno: curvas que o mundo admira.
Posso vê-las no museu da biblioteca de pé no vestíbulo redondo, nuas deusas.
MISTICISMO
Espirituais sem forma, Pai, Verbo e Espírito Santo, Ominipater, o homem celestial.
Hiesos Kristos, mágico da beleza, o Logos que sofre em nós a todo instante.
Isto veramente é aquilo.
Sou o fogo no altar.
Sou o butiro sacrificial.
DEUS
Deus :
rumor na rua :
muito peripatético.
APEGO
Apega-te ao agora, ao aqui, todo o futuro mergulha no passado.
MORTE
Leito de morte da mãe.
Velas. Espelho velado.
Quem me pôs neste mundo lá jaz, bronzepálpebras, sobre umas poucas flores baratas.
BRINCADEIRA
Peter Piper
picou um pito
da pica de pico de picante pimenta.
AQUILES
Aqui ele pondera sobre coisas que não foram: o que César tivera
vivendo feito se houvera crido no harúspice: O que poderia ter sido: possibilidades do possível como possível: coisas não sabidas: que nome Aquiles usara quando vivera entre mulheres.
ACASALAMENTO
Em momento de acasalar.
Júpiter, manda-lhes uma boa maré de tesão.
Sim ué,
pombarrola com ela.
Eva.
Ventrigal pecado nu.
Uma serpente a coleia,
colmilhobeija.
JUNO
Cílios de olhos de Juno, violetas.
Ela passeia.
Uma vida é tuda.
Um corpo.
Faze. Mas faze.
Longe, num bodum de tesão e sordidez, mãos apalpam brancuras
BALBÚRDIA
Porta fechada. Cela. Dia.
Escutam. Três. Eles.
Eu tu ele eles.
Vamos, balbúrdia.
POEIRA
A poeira entelara a vitrina e os teréns do mostruário.
A poeira escurecia dos dedos instrumentais com unhas vulturinas.
A poeira dormia sobre baças espirais de bronze e prata .
Losangos de cinábrio,
sobre rubis, pedras leprosas e viniscuras.
ELA
Ela está se afogando.
Remordida.
Salvá-la.
Remordida.
Todos contra nós.
Ela me afogará com ela,
olhos e cabelos.
Madeixas corridas de cabelos
bodelha do mar em tôrno de mim, meu coração , minha alma.
Verde morte salina.
PAI
Nunca mais o vi.
Morte , é isso.
Papai está morto.
Meu pai está morto.
Ele me pediu para ser bom filho para mamãe.
Eu não podia entender as outras coisas que ele queria dizer
mas vi a língua e os dentes dele tentando dizer isto melhor. Pobre papai.
Era o senhor Dignam, meu pai.
Espero que agora esteja no purgatório,
porque não se confessou com o padre Conroy na tarde de sábado.
ENGANO
Engano. Palavra doce.
Mas olha!
As estrelas brilhantes fenecem.
Ó Rosa !
Notas cricricrilando resposta.
Castela.
Rompe a manhã.
Ginga sege ginga, seginha.
PECADO
Perto, seus olhos passavam.
Doçuras do pecado.
Doces são as doçuras.
Do pecado
ECOS
Um tordo. Uma toda.
Seu sopro, ave canora, bons dentes de que se orgulha, flauteava com coita flébil.
É perdido. Rico som.
Eis duas notas numa.
Todo novo demais renôvo
é perdido no ovo.
Eco.
Quão doce a resposta.
Como isso é feito ?
Tudo é perdido agora.
Plangente ele assoviava.
Queda, entrega , perda.
INTERROGAÇÃO
Palavras?
Música ?
Não :
é o que é por trás.
MÚSICA
La la la ri.
Sinto-me tão triste hoje.
La ri.
Tão sol. Ré.
MÚSICA II
Mar, vento, folhas
trovão, águas, vacas mugindo, o mercado de gado, galos, galinhas não cucuricam, serpentes que tsíam.
Há música por toda parte.
OLHAR
Olhar :
olhar, olhar, olhar
olhar, olhar:
tu nos olhas.
MUDANÇA
Tudo mudado.
Esquecido.
Os jovens são velhos.
Seu fio enferrujado pelo sereno.
UM
Um.
Que é que está voando por aí ?
Andorinha ?
Morcego provavelmente.
Pensa que sou árvore, tão cego.
Os pássaros não têm olfato ?
Metempsicose.
MULHER
Feiosa:
nenhuma mulher pensa que é.
Amar, mentir e exceler pois o amanhã é morrer.
ARANHA
A aranha tece sua teia na solidão.
O rato, noturno
espreita do seu buraco.
A maldição é nela .
É assombrada.
Terra de assassino.
TUDO
Tudo é ido.
Agendath é uma terra sáfara, berço de corujas e da poupa burricega.
Netaim, a áurea
já não é.
E pelas estradas das núvens elas chegam, resmungando o trovão da rebeldia, os espectros das bestas.
Hua! Haa! Hua!
Paralaxe esncalça-os atrás e açula-os, os lancinantes raios de cuja fronte são os escorpiões.
O alce e o iaque, os touros de Bashan e de Babilônia, o mamute e o mastodonte, eles vêm atropelando o mar afundado, Locus Mortis, Ominosa, vindicativa hoste zodiacal!
Eles mugem, sobrepassando as nuvens, córneos e capricórnios , os trombudos com os colmilhudos, os leonijubosos e os aspesgados, os focinhentos e os rastejantes, rodentes , ruminantes e paquidermes, toda esta movente mugente multitude, matadores do sol.
POBREZA
Um prato espatifa-se;
uma mulher esganiça-se;
uma criança chorominga.
Pragas de um homem rosnam ,
ressoam, cessam.
Figuras erram,
emboscam-se,
espiam dos cortiços.
VISÕES
Vimos Shakespeare megeramontado
e Sócrates galinhabicando.
Mesmo o omnissapientíssimo estagirita foi bocado,
bridado e montado
por uma mariposa do mar.
TUDO
Depois dos jogos de mistério do salão e os estralos puxados das árvores nós nos sentamos na otomana da escada.
Debaixo da visgueira.
Dois eram tudo.
ANARQUIA
Sou pela reforma da moral municipal
e dos dez mandamentos puros.
Novos mundos para os velhos.
União de todos ( o judeu, o muçulmano e o gentio).
Três acres e uma vaca
para cada filho natural.
Coches-fúnebres-salão a motor.
Trabalho manual compulsório para todos.
Todos os parques públicos abertos dia e noite.
Lava-louças elétricos.
Tuberculose, aluação,
guerras e mendicância devem cessar já.
Anistia geral,
carnaval semanal,
licença de uso de máscaras,
abonos para todos,
esperanto a fraternidade universal.
Não mais patriotismo de mama-bares
e impostores hidrópicos.
Dinheiro livre, amor livre
e uma igreja laica livre
num estado laico livre.
Raposa livre num galinheiro idem.
SER OU NÃO SER
Ser ou não ser.
A vida é sonho ‘stá finda.
Acaba-a em paz.
A vida continua.
Sou uma ruína.
Umas poucas pastilhas de acônito.
Cortinas baixadas.
A carta.
Depois jazer e repousar.
Nô-mais.
Eu hei vivido.
Adeus.
Adeusdado
AMARGAMENTE
Homem e mulher,
amor,
quer é isso?
Uma rolha e uma garrafa.
TEMPO
Um tempo,
tempos
e meio tempo.
VERBO
No início era o verbo
no fim o mundo semfim.
Abençoadas sejam as oito beatitudes.
BEATITUDES
Bebida
bife
batalha
boiada
buzina
berreiro
besteira
bispo.
ESTÉTICA
Estética e cosméticos
são para o boudoir.
Busco a verdade.
Pura verdade para um homem puro.
CHAMA
Uma mão-de-judas
de esqueleto estrangula a luz.
A luz verde esvai-se
em malva.
A chama de gás geme silvando.
OBSERVAÇÃO
Observa.
Isto é o seu sol adequado.
Pássaro noturno
sol noturno
cidade noturna.
Procura-me Zuzé! Zzz.
CASULO
De olho o casulo bivalente da mulher é pior.
Sempre aberto Sésamo.
Aí porque teme a bicha,
ou coisas rastejantes.
Entretanto
Eva e a serpente se contraditam.
Não como fato histórico.
Analogia óbvia com a minha idéia.
As serpentes também são glutonas de leite de mulher.
INSTINTO
O instinto rege o mundo.
Na vida.
Na morte.
IMORTAIS
Nós imortais,
como hoje viste,
não temos tal lugar
nem pêlos ali.
Somos petrifrias e puras.
Comemos luz elétrica.
ENCANTO
Quebraste o encanto.
A gota que transborda.
Se só houvera o etéreo
onde estaríeis vós todas,
postulantes e noviças.
Reclusa não convicta,
como asno que micta.
AMORIVERBOS
Cochichando amoriverbos
cochicham labilambendo
liquiloquentes,
papôulicos plachechapes.
VÔO
Não, eu voava.
Meus inimigos sobre mim.
E sempre há de ser.
Mundo sem fim.
JOGADORES
A multidão ladra de jogadores de dados,
tudo-ou-nada,
de porrinheiros-de-três,
de trapaceiros.
Açuladores e cercadores,
espantadores roucos de chapéus altos de mágicos
berram ensurdecedoramente.
TURFE
Um cavalo escuro,
desmontado,
salta como um fantasma além da chegada,
a crina lunespumando,
as pupilas de estrelas.
A manada segue,
uma tropa de montadas escabreando-se.
Cavalos esqueletos:
Cetro, Máximo II, Zinfandel,
Shotover do Duque de Westminster,
Repulse, Ceilão do Duque de Beaufort,
prêmio de Paris.
Anões os cavalgam,
de armaduras ferrugentas,
saltejando,,
saltejando nas celas
Último numa garoa de chuva,
um rocim isabela esbofado,
galo do Norte, o favorito,
boné mel, jaqueta verde,
mangas laranja,
Garret Deasy montando,
crispando as rédeas,
bastão de hóquei à mão.
Seu rocim,
tropeçando em pés alviplainados, troteja ao longo da pista pedregosa.
VENCEDOR
Pino erecto,
a cara unhada
engessada com selos postais,
brande o bastão de hóquei,
os olhos azuis chispeando no prismático do lustre
no que sua montada saltita
perto num galope aprendiz.
Per vias rectas.
CIRANDA
De um canto as horas matinais escorrem,
aurilanudas,
esguias,
em azul meninesco,
vespicintadas,
de inocentes mãos.
Lépidas dançam,
girando suas cordas de saltar.
As horas merídias
seguem-se-lhes em ouro âmbar.
Rindo em ciranda,
suas grandes travessas cintilando,
prendem o sol em espelhos zombeteiros,
erguendo os braços.
CIRANDA II
As horas matinais e merídias valsam em seus lugares,
virando-se, avançando umas para as outras,
modelando as curvas,
inclinando-se vis-à-vis.
Cavalheiros atrás delas arqueiam
e suspendem os braços,
com as mãos descendentes sobre,
tocando,
levantes de suas espáduas.
CIRANDA III
As horas crepusculares avançam,
de longas terrestrissombras,
dispersas,
demorando-se,
languidoculadas,
sua faces delicadas com cípria
e uma rosa desmaiada falsa.
Estão em gaze cinza
com escuras manchas morcegas
que estremecem à brisa terral.
CIRANDA IV
As horas noturnas esgueiram-se
para o último lugar.
As horas matinais,
merídias e crespusculares
retiram-se ante aquelas.
Que estão mascaradas de cabeleira
com adagas e braceletes
de campainhas surdas.
Cansadas,
elas se cobremquecobrem com véus
CIRANDA V
Germinando-se,
recuando,
com mãos intercanbiantes,
as horas noturnas enlaçam-se,
cada uma de braços arqueados,
num mosaico de movimentos.
CIRANDA VI
Justagarrados
rápido mais rápido
em cintilibrilhischispeantes girâdolas
eles espalhipilhidisparam amontoadamente.
Barrabum!
KINCH
Com sutil sorriso da loucura da morte
Kinch matou seu canicorpo
de cadelicorpo.
Ela esticou as canelas.
Lágrimas de manteiga melosa
caem dos seus olhos no bolinho.
Nossa grande doce mãe.
Ipi oinopa ponton.
PALAVRA
Dize-me a palavra,
mãe,
se a sabes agora.
A palavra sabida de todos os homens.
CAOS
Levanta seu estoque
alto com ambas as mãos
e estilhaça o lustre.
A lívida flama final do tempo ressalta
e, na escuridão conseguinte,
a ruína de todo o espaço,
vidro partido
e alvenaria ruindo.
CONVITE
Vocês são meus convidados.
Os inconvidados.
Por virtude do quinto George
e sétimo Edward.
Culpa da história.
Fabulada pelas mães da memória.
FOGO !
Chamas sulfúreas saltam.
Nuvens densas passam rolando.
Pesados canhões Gatling ribombam.
Pandemônio.
Tropas deslocam-se.
Galopes de cascos.
Artilharia.
Comandos roucos.
Sinos clangoram.
Apostadores gritam.
Beberões berram.
Putas urram.
Sirenes silvam.
Clamores de bravura.
Guinchos de moribundos.
Picões colidem com couraças.
Ladrões roubam os massacrados.Aves de rapina,
ondeando do mar,
pairam piando, alcatrazes,
cormorões, abutres, açores,
galinholas trepadeiras, falcões reais,
esmerilhões, tetrazes, aurifrísios,
gaivotas, albatrozes e gansos bernacos.
O sol da meia noite escurece.
A terra treme...
... Um abismo se abre num bocejo silente.
quinta-feira, 10 de abril de 2008
Telemaquia
James Joyce
PARTE I
SOMBRAS
Vegetissombras
flutuavam silentes na paz matinal
desde o topo da escada ao mar
que ele contemplava.
Da borda para fora
o espelho do mar branquejava;
esporeado por precípites pés lucífogos.
Colo branco do mar pardo.
Ictos gêmeos ,
dois a dois.
Mãos dedilhando harpicordas
fundindo-lhes os acordes geminados.
Undialvas palavras acopladas
tremeluzindo sobre a maré sombria.
GURI
Sou o guri
que sente e ri
com o invisível.
JÚBILO
Jubilo fantasmal, revoluto: almiscarperfumado.
Nem mais a um canto ruminar.
SONHO
Em sonho,
silentemente,
ela lhe viera a ele,
seu corpo gasto dentro de largas vestes funéreas
exalando um odor de cera e de pau-rosa,
seu hálito pendido sobre ele
com mudas palavras secretas,
um esmaecido odor de cinzas molhadas.
Olhos perscrutadores,
fixando-se-me da morte,
para sacudir e dobrar minha alma.
Em mim somente.
O círio dos mortos a iluminar sua agonia.
Lume agonizante sobre a face torturada.
Seu áspero respirar ruidoso estertorando-se de horror,
enquanto todos rezavam aos seus pés.
Seus olhos sobre mim a redobrar-me.
Necrófago !
Mascador de cadáveres!
Não, mãe.
Deixa-me ser e deixa-me viver.
ESQUECIMENTO
Sol quente brincando sobre o mar.
O níquel do vaso de barbear brilhava esquecido,
sobre o parapeito.
Por que deveria eu levá-lo para baixo ?
Ou deixá-lo aí o dia inteiro, amizade esquecida ?
CRIAÇÃO
Criação do nada e milagres
e um Deus personalizado.
Só há um sentido para a palavra.
ADÃO E EVA
Minha décima segunda costela desapareceu
sou o Ubermensch Kinch
o desdentado,
e eu, o super-homem.
FORMA
Nutridos e nutrientes cérebros ao meu redor:
sob lâmpadas incandescentes ,
pingentes com filamentos pulsando desmaiados:
e na escuridão da minha mente
uma preguiça do infra-mundo ,
relutando, avessa à claridade,
remexendo suas sobras escamosas de dragão.
Pensamento é o pensamento de pensamento.
Claridade tranqüila.
A alma é de certo modo tudo o que é:
a alma é a forma das formas.
Tranqüilidade súbita,
vasta, candescente:
forma das formas.
SEGREDOS
Segredos, silentes, pétreos,
moram nos palácios sombrios
dos corações de ambos os dois:
segredos exaustos de sua tirania:
tiranos desejosos de serem destronados.
MAR
O senhor dos mares.
Seus marifrígidos olhos fitavam por sobre a baía vazia:
à história cabe a culpa:
por sobre mim e por sobre minhas palavras,
inabominantes.
TEMPO
O tempo abalado ressalta,
abalo após abalo:
Justas, lamaçal e algara de batalhas,
enregelhado mortivômito dos degolados,
um berro de aguilhões alanceados
fartados nas vísceras sanguinolentas de homens.
VIDA
Muitos erros, muitos malogros,
mas não o pecado.
Agora, ao fim dos meus dias,
continuo lutador.
Mas combaterei pelo direito
até o fim.
ADÃO E EVA
Esposa e companheira de Adão Kadmon:
Heva, Eva nua.
Ela não teve embigo.
Contempla.
Ventre sem jaça,
bojando-se ancho,
broquel de velino reteso, não,
alvicúmulo títrico, oriente e imortal,
elevando-se de pereternidade em pereternidade.
Matriz do pecado.
EUTANÁSIA
Guerreando a vida inteira
quanto à contratransmagnifcandjudeibumbatancialidade.
Heresiarca malzodiacado.
Num lavatório grego
deu o último suspiro:
eutanásia.
CHORO
Senhor.
Sim. senhor.
Não, senhor.
Jesus chorou:
pudera,por Cristo.
CASAS
Casas de decadência,
a minha,
a sua
e todas.
LUZ
Luz dourada sobre o mar,
sobre o areal,
sobre a amurada.
O sol ali está,
as árvores esguias, as casas limão.
OLHOS
Olhos verdes, eu vos vejo.
Colmilho, sinto-o .
Gente lasciva.
AFOGADO
Quero seja sua vida ainda sua,
a minha seja minha.
Um homem afogado.
Seus olhos humanos berram para mim
no horror de sua morte.
Eu...
com eles juntos no fundo...
eu não podia salvá-la.
Águas: morte amarga :
perdida.
APOSTA
Uma mulher e um homem.
Vejo a saiota dela.
Arregaçada, aposto...
MORTE
Canicrânio,
canífaro, os olhos no chão,
move-se para um grande alvo.
Ah, pobre canicorpo.
Aqui jaz o corpo de um pobre canicorpo.
SONO
No sono o signo líquido lhe diz a sua hora,
ordena-lhe o despertar.
Nuptileito, nataleito, leito mortal,
espectriciriado.
Ele chega,
pálido vampiro,
por borrascas os seus olhos,
seu velame morcegueiro ensangüentando o mar,
boca contra o beijo de sua,
dela,
boca.
ORAL
Seus lábios sugavam
e abocanhavam descarnados lábios de vento:
boca contra o ventre dela.
Umba, ominiventrante tumba.
Sua boca amoldava-se exalando alento, inefado: uuiihah : regido de planetas catarácticos, globóides, labaredantes, rugindo juralonjuralonjuralonjura.
SIGNOS
Arrojo esta sombra términa de mim,
hominiforma ineluctável,
chamo-a de volta.
Intérmina,
seria ela minha,
forma de minha forma ?
Quem me percebe aqui ?
Quem em lugar algum jamais lerá estas escritas palavras?
Signos em campo branco.
TRUQUE
Clique faz o truque.
Achas minhas palavras obscuras.
Escuridade está em nossas almas, não achas ?
Mais maviosa.
Nossas almas,
vergonhiferidas por nossos pecados,
apegam-se a nós ainda mais,
uma mulher apegando-se ao seu amante,
e mais e mais.
TOCA-ME
Toca-me.
Olhos doces.
Mão doce doce doce.
Estou sozinha aqui.
Oh toca-me logo, agora.
Qual é essa palavra sabida de todos os homens?
Estou mesmo aqui sozinha.
Triste também.
Toca-me, toca-me.
DEUS
Deus fez-se homem fez-se montanha
fez-se ganso bernaco
fez-se montanha plumosa.
Suspiros mortos
que eu vivente respiro,
pisada poeira morta,
devoro vísceras urinárias de todo morto.
OCEANO
Um maritrânsito este,
olhos castanhos salazulados.
Marimorte,
a mais doce de todas as mortes conhecidas pelo homem .
Velho Pai Oceano.
ONDE ?
Onde? por terras vesperais . A tarde se achará a si mesma.
Sim, a tarde se achará a si mesma em mim, sem mim.
Todos os dias vão ao seu fim.
A propósito, qual é o próximo ?
CENA
Depositou a meleca seca pinçada de uma narina no gume de uma pedra,
com cuidado.
Quanto ao mais, olhe quem quiser.
Atrás.
Talvez haja alguém.
terça-feira, 8 de abril de 2008
reinvenção de ulisses
De James Joyce / Antonio Houaiss / Kleber Torres
James Joyce
James Augustine Aloysius Joyce - (Dublin, 2 de Fevereiro de 1882 — Zurique, Suíça, 13 de Janeiro de 1941) foi um escritor irlandês expatriado. É amplamente considerado um dos autores de maior relevância do século XX.

Suas obras mais conhecidas são o volume de contos Dublinenses (1914) e os romances Retrato do Artista Quando Jovem (1916), Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939) - o que se poderia considerar um "cânone joyceano".
Embora Joyce tenha vivido fora de seu país natal pela maior parte da vida adulta, suas experiências irlandesas são essenciais para sua obra e fornecem-lhe toda a ambientação e muito da temática. Seu universo ficcional enraíza-se fortemente em Dublin e reflete sua vida familiar e eventos, amizades e inimizades dos tempos de escola e faculdade. Desta forma, ele é ao mesmo tempo um dos mais cosmopolitas e um dos mais particularistas dos autores modernistas de língua inglesa. (Fonte : Wikepédia)

Ocupou diversos cargos importantes como presidente da Academia Brasileira de Letras, Ministro da Cultura e membro da Academia das Ciências de Lisboa. A revista Veja chegou a defini-lo como o "maior estudioso das palavras da língua portuguesa nos tempos modernos".
Autor de dezenove livros, Houaiss organizou e elaborou as duas enciclopédias mais importantes já feitas no Brasil, a Delta-Larousse e a Mirador Internacional. Publicou dois dicionários bilíngües inglês-português, organizou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Entre seus trabalhos de tradução está o romance Ulisses de James Joyce. (Fonte : Wikipédia)
Kleber Antônio Torres - Jornalista e escritor, nasceu em Salvador, em 21 de setembro de 1947. É autor dos livros Objeto Direto e Poesias, além de de ter participado de diversas antologias de autores regionais. Também tem publicados na web: D
